sexta-feira, 25 de junho de 2010

Milho no Telhado

Milho no telhado numa noite quaresmal

Em minhas recordações do tempo de criança, sempre volta com o majestoso brilho da saudade o meu querido córrego do café, que na década de 60 era bem animado. As famílias que lá viviam tinham suas diversões, seus trabalhos e suas devoções. Dona Antonia, esposa do Sr Fiinho Deodato, era uma talentosa rezadeira; recordo de várias novenas em sua casa e até mesmo algumas procisões do Sagrado Coração de Jesus que eram animadas por ela e suas filhas. Entre estas práticas piedosas, merece destaque a “Encomendação de Almas” feita no tempo quaresmal.
Esta devoção, se não me falha a memória, era realizada na semana que antecede a Semana Santa, ou seja, na quinta semana da quaresma. O motivo de não ter esquecido está expresso no título, foi um susto danado, acordar por volta de 11 h da noite com o barulho do milho no telhado, sei que chorei muito e custei a aceitar que era Dona Antonia e suas filhas que estavam lá fora. Era uma movimentação grande nesta semana, rapazes e moças saiam na companhia da rezadeira, andavam de casa em casa durante a noite, só não passavam da meia noite; depois deste horário, as almas verdadeiras estavam soltas. As orações eram feitas em frente a porta principal da casa e não se abriam para receber os rezadores, que usavam sempre roupas brancas e quando chegavam jogavam milho no telhado da casa e giravam seus zunzuns (instrumento feita de madeira ou bambu, preso na ponta com um barbante) que fazia um zumbido muito estridente.
A casa do Sr Amado e Dona Maria era uma das mais procurada nesta época, foi numa dessas visitas que mamãe passou aperto para me acalmar do susto que levei com os piedosos devotos das almas benditas. Recordo que na véspera, meus irmãos mais velhos preparavam seus zunzuns e pediam a mamãe alguns lençóis brancos, eu via tudo aquilo sem entender muito o motivo de tais preparativos. Quando chegou por volta das oitos horas da noite eles foram para casa de Sr Fiinho Deodato, por volta das dez da noite é que a turma dos encomendadores de almas saiam para visitar as casas vizinhas. Assim a vida religiosa das famílias se movimentava e eu crescia num ambiente de muita fé e devoção, que hoje enche de boas recordações a minha vida aos cinqüenta anos. Por isso dou graças a Deus por todos os anos de minha infância lá nas terras de Minas Gerais que no passado já pertenceram ao Estado do Espírito Santo.